O meu coração é índio, amor, e tu bem sabias disso quando chegou com
tuas grandes embarcações na costa do meu país. O meu coração é índio, que te
escandaliza com a liberdade e simplicidade do meu modo de viver, mas tu também
sabias disso.
E partes meus coração quando chegas querendo impor-me teus costumes
europeus, obrigando-me a cobrir as vergonhas – ora!, que vergonha há em mostrar
quem eu sou por completo? – com teus panos refinados, bordados a ouro,
caríssimos, mas que não têm valor algum para mim. Partes meu coração quando
vens me pedir para trabalhar incessantemente para acumular riquezas que eu não
terei tempo de aproveitar e por isso eu fujo, eu resisto, eu luto.
De que vale o teu encantamento com a cor da minha pele quando usas teu
chicote para sangrar os meus irmãos? De
que valem tuas palavras doces e complicadas poesias quando proferes contra o
meu povo xingamentos e pragas? De que valem teus carinhos e amores de madrugada
quando levantas de manhã de cedo para sangrar o meu povo, arrancar a minha
mata, domar os meus irmãos e explorar o meu território?
Então eu fujo, fujo, amor, porque para um índio é mais fácil lutar com
arcos e flechas contra espadas e revólveres do que lutar contra o seu próprio
instinto. Eu resisto à tua violência moral e física, para que, de noite – se
teu revólver me deixar vivo até lá – eu possa me deitar tranquilo, sabendo que
não desonro meus ancestrais, que não luto contra mim mesmo por causa de
ti. Eu resisto, porque não matarei a
floresta que estava aqui antes mesmo do meu nascimento para que tu possas
acumular riquezas que nem tu, amor, irás aproveitar.
O meu coração é índio, amor, e eu posso lutar contra quem eu sou. O meu
corpo dói por causa da tu exploração, mas a minha mente repousa tranquila. Nem
mesmo o mais valente e temido dos índios é capaz de lutar contra a sua própria
consciência – não é sábio agir assim. Meu coração é índio e lutará até o fim.