Havia no nordeste brasileiro um rio. Era um rio grande, bem grandão, que serpenteava por diferentes cidades e estados, finalizando sua estrada no meio do mar. Dele saíam diferentes rios, que davam origem a diferentes rios, que davam origem a lagos, lagoas, mas que acima de tudo, dava sustento a muitas famílias. Batizado de São Francisco, outrora fora Opará, o grande rio-mar, infinito em suas maravilhas, eterno em seus mistérios.
Das muitas pessoas que por ele navegaram, que nele se banharam, que até ele foram acreditando ser esse rio fonte de imensurável ouro, pouquíssimos compreenderam o velho Opará em sua profundidade, porque foram até ele buscando coisas que ele não queria dar: buscaram riquezas, prazeres, diversões. Buscaram sobretudo encontrar no rio saciedade para os incontroláveis desejos de sua carne, para as infinidades vaidades do seu ser.
O que Chico, vulgo Opará, queria oferecer às pessoas era privilégio que só os mais puros de coração podiam compreender. Era necessário dedicar-se a ele para entender qual era sua vontade, coisa que não era possível quando se navegava apenas na superfície, quando se banhava apenas na beira da praia. Chico era velho, amigo do Oceano, pai de muitos e muitos filhos, e os velhos sabem como é necessário muito esforço por parte dos homens para se compreender a vida, os velhos querem ensinar os homens a compreender a vida.
Certa vez, um jovem rapaz, filho de agricultores numa cidade qualquer, resolveu dedicar seus fins de tarde para compreender Chico. Começou pelas pedrinhas de seixo-rolado na beira da praia, apalpando-as com os pés descalços; depois, permitiu-se ser banhado por aquelas calmas águas. Permaneceu apenas nesse ponto por um bom tempo – tinha medo de afogar-se, apesar de sentir que o rio-mar chamava-o para mais perto.
Batizemos então esse rapaz de Pedro. Era um menino simples, que não tinha em seu berço luxos e prazeres. Contentava-se com o arroz e feijão de todo dia, ajudava seu pai a plantar na fazenda do velho coronel, sabia montar a velha égua malhada da família, era amansador de gado, mas acima de tudo, tinha pureza em seu coração. Pedro queria harmonia com Chico, que molhava o que ele e seu pai plantavam, que trazia vida para aquela simples família. Pedro queria dar vida ao velho que garantia a sua vida e então, mesmo sem coragem, deixou-se levar pelas profundas águas esverdeadas.
Conta-se atualmente que o próprio Chico ensinou o jovem rapaz a nadar. Que Chico revelou-se a ele nas profundezas de suas águas de uma maneira que não havia se revelado a ninguém desde que os últimos índios fugiram dali. Conta-se que Pedro foi o pai de todos que não se contentam apenas coma superficialidade do dia a dia, dos que não dedicam sua vida na procura do ouro, dos prazeres da terras, das vaidades da vida, mas que querem compreender a vida em seus mistérios e profundidades. Pedro foi filho de Chico e a ele devemos nosso nado, porque Chico, que quis se revelar a Pedro naquele dia, é pai de todos nós.
Para ouvir: Riacho do Navio - Luiz Gonzaga