segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Eu não vou ler o jornal


Hoje eu não vou ler o jornal, Morena. Vou ficar quieto, largado no sofá, pensando nas minhas próprias tragédias diárias que não são transmitidas em rede nacional. Não vou fumar meu velho Broadway, como era de costume, mas vou me atentar aos alertas de câncer, aos dados de uma droga de OMS qualquer. 

Tenho andado, nos últimos dias, reprimindo essa vontade de ser alguém que não sou. Tenho pensado em largar os vícios, as cadeias, me libertar de uma vez, e pensar em coisas ruins acontecendo pelo mundo não vão me ajudar – é pelas coisas ruins que eu bebo e fumo. Hoje eu vou relaxar, acender um cigarro para não fumar, lembrar dos nossos risos motivadores, nossos risos que nos movem, pra quando chegar a vontade de parar poder saber porque que eu ainda continuo insistindo nisso tudo. 

Vou insistir em parar, continuar nessa insistência de largar todas essas algemas. Hoje, e talvez seja só hoje, vou andar pretensioso pelas ruas da cidade que não para, vou parar no meio de uma rua qualquer e desfrutar o poluído ar que me cerca o tempo todo, vou me purificar das impurezas e dos metais corroídos, vou viver uma hora de cada vez. Hoje, Morena, não vou nem pensar em você. 

Não vou pensar em você com sua mania de “adeus”, não vou pensar em você com sua mania de “você vai ficar bem”. Não vou pensar, Morena, porque quando o penso é torto, mais torto é o meu pesar. Vou largar de vez a dependência físico-química que prendeu a ti, não vou pensar nos seus dados, nos seus editais, nos seus jornais. Vou ser eu mesmo, Morena, de um jeito que possa te fazer nunca mais querer voltar, porque a espontaneidade tem sido mais importante agora do que qualquer coisa falsa que te atrai. 

Hoje eu não vou ler sua coluna no jornal, alertando as pessoas a respeito do consumismo, capitalismo, feminismo, egoísmo, chaticeismo. Não vou pedir a sua opinião, não vou me lembrar das suas broncas; deixe que seu riso eu tenho muito bem guardado aqui, pra que um dia, se quiser aparecer outra vez, receba uma notícia que não foi publicada num jornal, conheça o meu eu que aprendeu a ser  eu mesmo longe das suas imposições, reclamações, orientações, chaticeões. 

Hoje eu não vou ler o jornal porque não  afim de bancar o culto, não  afim de ser quem não sou. Hoje, Morena, vou jogar dominó quando voltar do trabalho, porque já soltei minhas mãos das amarras que me impediam de abrir sozinho o caminho que eu estiver afim de seguir. 

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