quinta-feira, 30 de abril de 2015

Você tem o direito.

Mais uma vez, você tinha razão. Eu não possuo as chaves.

Lembro-me de quando nos encontramos pela primeira vez. Você estava sentada no chão, as saias tomando conta de tudo, as bugigangas espalhadas ao seu redor, como se analisasse a melhor maneira de organizá-las (jogá-las no lixo pra mim seria a escolha mais prudente). Tinha os cabelos  caídos até embaixo dos seios como uma manta de cetim preto, típico dos índios a quem descendia, embora fosse possível notar que há muito não os penteava. 

Eu estava na minha habitual correria: trabalho, provas, relatório de estágio, prova da OAB... Faltava muito pouco para que eu pudesse me tornar um bacharel em Direito e poder finalmente exercer meu grande sonho de ser promotor de justiça; parar em uma rua qualquer da grande São Paulo em pleno fim de semestre não estava nos meus planos. Olha você certa outra vez.

A descendente de índios entrou na minha vida sem que eu, tão sistemático, pudesse planejar ou até mesmo permitir. Levantou-se num salto, choveram metais de suas saias, e ofereceu-me um tal de filtro dos sonhos. Era esperado que eu soltasse um mecânico "Não, obrigado, deixa pra próxima", mas todos meus mecanismos de defesa foram por água abaixo quando aqueles olhos agateados sorriram pra mim.

E durante todo o enredo que nós bem conhecemos, você foi capaz de relaxar um universitário que era um pilha de nervos, foi capaz de unir opostos em uma atração mútua, espontânea e principalmente, não programada. Você estava certa, sim, as melhores coisas da vida acontecem sem que façamos planos, sem que possamos parar para pensar se é certo ou não, se vai dar  certo ou não.

Pergunte à minha mãe. Ela ficou maravilhada quando eu finalmente aceitei um convite para sair com a família às vésperas de uma prova, e quando me permitir acordar mais tarde num domingo qualquer. Talvez minha mãe seja a maior testemunha que nós temos do bem que você me fez. Ela tinha agora dentro de casa um adolescente apaixonado que eu nunca fui, um filho que assistia filmes ao seu lado nas segundas a noite, um filho que finalmente conseguira suprir a ausência do esposo há muito falecido. Ela tinha um filho.

Pergunte ao padeiro, que agora me servia os lanches mais gordurosos do mundo, e à minha personal trainer, que ficou uns bons oito meses sem me ver, e também ao meu professor de Direito Bancário, que me viu tirar menos de oito em sua matéria pela primeira vez. Pergunte a quem quiser: todos dirão que você estava certa.

Você estava certa, eu nunca fui senhor de mim, e quando você chegou, senhora , passou a possuir as chaves de toda a situação. Mesmo quando meu patrão quis me colocar para trabalhar aos finais de semana e tivemos que cancelar nossos passeios pela cidade, mesmo quando eu iniciei a pós-graduação e não tinha tempo de passar por aquela mesma rua todos os dias, era você a dona de tudo.

Até que finalmente não quis ser mais. Você tinha razão, eu nunca te possuí. 
Embora fosse fluente no inglês e no italiano, naquela época eu não entendi que sua linguagem de olhares me clamava para não fazer aquilo, me clamava para não te perder. Nunca entendi porque você não quis vir morar comigo no apartamento que eu estava financiando, embora quando o assunto era Direito Matrimonial, eu soubesse tudo de cor. 

Agora eu entendo. 

E, para terminar de massagear o seu ego e destruir completamente o meu, você tinha razão. Eu ia me arrepender de tentar ter o controle de toda a situação e não deixar as coisas acontecerem naturalmente. 

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