terça-feira, 25 de agosto de 2015

Cecília e o carrinho de rolimã



João Paulo chegou do escritório depois de um longo dia de trabalho e foi para a faculdade. Luan, que pouco fazia da vida, estava cansado de procurar emprego. Eleonora estava triste, amargurada com a morte do pai; chegou em casa e foi cuidar do almoço para o dia seguinte. Ricardo estava preocupado com o vestibular, preocupado com a entrevista de emprego do dia seguinte, preocupado com essas coisas que os meninos quase homens geralmente se preocupam. Cecília chegou cansada em casa, depois de um longo dia de trabalho e estudo, pensando nas provas, na família, no amor que ardia e queimava em seu peito... Cecília era uma moça comum, tão comum quanto os outros citados acima, mas vamos, vejamos a história de Cecília.

Cecília era uma moça que havia sido obrigada a se tornar mulher muito cedo. Seu pai havia morrido quando ela tinha apenas treze anos, e assim que teve idade para isso, começou a trabalhar para ajudar sua mãe. Cuidava de casa, pagava algumas contas, ajudava na educação do irmão mais novo, já era mulher feita. O problema é que mulheres e homens feitos acabam por se esquecer de sonhar, seja por conformismo ou falta de esperança, ou falta de tempo e dinheiro.

A família de Cecília, como você pode notar, não tinha dinheiro. Tempo? O tempo da coitada era divido em trabalhar, ir a escola, cuidar de casa e estudar. Esperança? Cecília era pé no chão, outra coisa que veio com sua “adultisse”, sabia que os vestibulares eram concorridos e que não poderia pagar uma faculdade particular. Mas ainda assim, com todos esses problemas, Cecília não se conformava.

Chegou em casa para uma noite comum em que fazia comida, ajudava na tarefa do irmão e estudava para alguma coisa do colégio, mas deparou-se com crianças brincando na rua. As via ali todos os dias, principalmente agora, que haviam “descoberto” as alegrias de um carrinho de rolimã, e sempre sorria. Não lembrava muito da última vez que parou para brincar.

– Ceci, vem descer a ladeira com a gente! – gritou um que concertava um carrinho. Cecília olhou. Olhou para seus braços, carregados de livros; olhou para sua casa, onde sua mãe estaria à sua espera; olhou, contudo, para dentro de si, e sabia que não poderia resistir a tal chamado.

Cecília caros leitores, desceu a ladeira naquele carrinho de rolimã. Um pouco de medo pairava em seu coração, aquele medo que a gente adquire quando deixa de brincar, mas foi justamente esse medo que tudo ficar mais incrível. Era uma menina de 18 anos, já mulher feita, que tinha prova de Química no dia seguinte, largando tudo para descer uma ladeira sentada num pedaço de madeira que a levou para muito além da esquina – levou-a para um mundo juvenil, um mundo que a fazia ainda ter esperança nessa vida, um mundo esquecido pelos adultos e desconhecido por muitas crianças do nosso Brasil.


Cecília desceu no carrinho de rolimã, e chorou, e se lavou, e foi feliz. Dia seguinte, era o mesmo colégio, o mesmo trabalho; era a prova, era o irmão, era o dia seguinte, mas as pessoas que saboreiam, nem que seja um resquício só, de juventude quando essa foi engavetada, não são mais as mesmas. Podem até ser novamente sufocadas pela rotina, podem até acabar se esquecendo outra vez do mundo juvenil, mas o mundo juvenil nunca as esquece, o mundo juvenil nunca as deixa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Layout: Fernando Sousa| Tecnologia do Blogger | All Rights Reserved ©