sábado, 15 de agosto de 2015

Oito horas.



Chegou do barzinho por volta de três horas da manhã, morta por algo que não era o seu salto alto, não era o cansaço depois de uma longa noite de dança: estava morta por dentro. 

Não importava para ela quanto tempo passasse, com quantas pessoas se relacionasse, quantos homens trouxesse para dentro daquela casa: aquela pequena casa iluminada pelo luar sempre seria a casa dele, sempre teria o cheiro dele. Talvez tudo tivesse acontecido há sete anos, dez anos, sete dias, algumas semanas – quem poderá saber? – , mas as lembranças são assim mesmo, nos confundem, nos marcam, nos alucinam. 

São cinco horas da manhã e o dia de trabalho começa às oito e meia. Precisa estar logo na editora, precisa revisar algumas matérias antes de publicá-­las, mas havia se esquecido completamente da vida. Estava sentada nas espreguiçadeiras que ele havia comprado para relaxarem na varanda, lembrando da sua gargalha embriagada antes das dores. Estava sentada, um copo intocado de uísque 12 anos na mão, seu corpo que permanecia intocado, apesar de ter sido possuído por muitos... 

Quis se levantar dali, quis ir embora daquela casa que tanto a aprisionava, mas eram tantos demônios a persegui-­la fora de casa, eram tantas lembranças a impedindo de sair para o trabalho... 

Foi jogar fora o líquido com o qual pretendia se embriagar mais ainda – era possível ficar pior? – e naquela cozinha ele também estava. Estava naquelas facas que muitas vezes foram usadas para ameaçá-­la, estava naqueles pratos que substituíam os que ele havia quebrado, estava naquela mesa, bebendo e rindo da casa dela, uma jornalistazinha que perdia até para aqueles amadores que nunca haviam pego em um livro jornalístico; rindo dela, que o amava e não conseguia ficar longe dele e dos seus tapas... 

E ele estava ali, rindo ainda, mesmo depois de ter ido embora. Rindo com outra mulheres em sua casa, espancando todas elas, mas ela não podia salvá-­las, não podia contar pra ninguém, porque ele a mataria se contasse, ele voltaria das profundezas para levá-­la também. 

Tinha que salvar as outras mulheres, mas estava morta e não queria que elas morressem também. Estava morta, já eram sete e quarenta e cinco e precisava ir para o jornal, precisa dizer ao editor-­chefe que não pode ser demitida, porque uma jornalista ruim assim não poderia conseguir emprego em outro lugar, e precisava de comida para manter a sua morte, de uísque para se lembrar e se livrar daquele jogador de tênis que ela entrevistou em outubro de 2008 e veio morar na sua casa, precisava de um emprego para se levantar e não mofar dentro de casa. 

Não tinha filhos, já estava velha e não estava em condições de dirigir para a Lapa, não queria se encontrar com nenhum Jesus e os passos dele perpetuavam pelos corredores da casa. Passos arrastados, fúnebres, melancólicos, passos que não passaram com o tempo.  

Ele estava ali, ela estava morta; ele havia ido, ela estava morta; ele era um jogar de tênis juvenil, no auge dos seus trinta anos, e ela estava morta; eram oito horas da manhã e ela estava morta. 

Eram oito da manhã e ela estava morta, estirada no chão, o corpo frio e sem pulso.

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