A maldição Maria do Rosário

Que desculpa vais usar dessa vez, Maria, por ir de novo sem ao menos me contar? Que truques e adornos usarás para me convencer que ainda tens por mim sentimentos ternos, cheio de virtude e bem-­querer, quando tudo que queres é ter para si todos quanto puder?

Eras moça nova, eu me lembro, quando chegaste ao vilarejo na condição de filha do mercador judeu, adotada em um convento, como ele dizia sempre na bodega em que eu trabalhava. Eras recatada e discreta, moça direita, menina pra casar, e eu me pergunto por que eu, Maria, justo eu, um rapaz tão honesto, fui escolhido para ser alvo da tua maldição.

Tudo eu faria, Maria do Rosário, para evitar que plantasses em meu peito a erva daninha da tua vil sedução, que tem me consumido dia após dia, fazendo­-me desejar teus lábios vermelhos em contraste com o branco-­leite da pele nas noites em que foges do alcance de meus braços e na cama de outrem vais deitar. Por que não deixas outra flor em mim brotar?

Eu voltaria para os dogmas sacrossantos da Santíssima e Universal Igreja Romana, mas sempre que busco na Virgem Maria mortificação da minha carne e consolo para a luta contra o pecado, apareceu-­me tu, outra Maria - a que eu não quero ver - como que por maldição, induzindo-me às loucuras amargas de que tanto tenho fugido.

E fostes embora, Maria do Rosário, como pássaro migratório outra vez! Fostes embora, mas para garantir a todos um bom espetáculo, andas pomposa pelas ruas de pedregulhos, cruzando meu caminho com um sorriso dissimulado. Fostes embora, pela quinta vez, se escondendo de mim embaixo dos chapéus de fina menina, moça tímida e recatada que finges ser. Fostes embora, desfragmentando outra vez o meu eu cansado nas agonias constantes da vida, mas voltarás, Maria, para fragmentar outra vez o resto que eu, um dia, poderei recuperar.

Por que eu, Maria do Rosário?