segunda-feira, 27 de julho de 2015

É por isso que eu escrevo #2





Por que continuamos a escrever.

Texto de Anderson Farias, que escreve também no Wattpad, e o seu perfil é esse aqui www.wattpad.com/user/Palarsan/about. Boa leitura!

"Muitos se perguntam por que pessoas jovens passam tanto tempo, ou boa parte do tempo, escrevendo, pensando e revisando textos infindáveis, enquanto deveriam dedicar-se especialmente para ir a festas, sociabilizar com os amigos, entreter-se com qualquer coisa – exceto com livros –, enfim, fazer tudo o que “pessoas jovens” fariam em situações “normais”, apenas para pensar em escrever quando não houvesse mais nada para fazer; afinal, “isso não é coisa de gente tão nova”. 

Minha mãe já me indagou sobre isso uma vez, ao tentar saber se “escrever dava dinheiro”, pois via que a minha labuta em tentar criar algo bem bolado e interessante para as pessoas era tão grande que para aquele trabalho deveria haver ao menos uma remuneração automática. Tentei explicar para ela dizendo que escrever também era um trabalho; um trabalho intelectual cuja renda não é garantida – vou dizer logo: é inexistente a curto e médio prazo – para quem faz isso apenas como um passatempo (popularmente conhecido como hobby). 

Ora, e precisa ter uma idade específica para começar a escrever? E por que eu não deveria dedicar o meu tempo livre à escrita? Sempre me perguntei por que as pessoas nunca levaram o hábito de escrever a sério, hábito este que sempre fora tratado como um fardo pelos meus amigos e colegas no tempo da escola – e na Universidade não é diferente. Sempre gostei de me dedicar à escrita, e acompanhado a ela veio a abertura de um mundo infinito: a literatura. 

Cada um faz o que quiser com o tempo que lhe é dado, e eu gosto de usá-lo para abrir novos mundos ainda não descobertos. Esse espírito aventureiro, cuja essência estava nos fenícios, nos macedônios de Alexandre, o Grande, nos venezianos de Marco Polo, nos exploradores espanhóis, portugueses, franceses e ingleses, enfim, nos homens do passado que quiseram descobrir o nosso mundo material, é o mesmo espírito aventureiro que ainda sobrevive no coração dos escritores que trabalham para desvendar mundos imateriais e ideais. 

A escrita é um trabalho essencialmente humano e seu papel nunca mudou dos tempos imemoriais até os dias de hoje, predominantemente líquido e virtual.  Essa extrema fluidez na qual corre as coisas do mundo e as relações sociais não deve ser entendida como abolição de todo trabalho intelectual, pois a arte de escrever unida pela carne ao hábito de ler é vista hoje com olhos de desprezo – desprezo mesmo! Que cara de argh! eu vejo estampada nas pessoas que nunca leram sequer quatro livros na vida quando digo que a melhor coisa que eu faço é… escrever. Não entendo como uma sociedade do futuro, mais avançada do que a nossa, poderá sobreviver sem ler e sem escrever, pois todo o trabalho humano só é possibilitado porque houve essa passagem de conhecimento das gerações do passado para as do presente; tal passagem está expressa na leitura e na escrita. Claro, você pode estar pensando na passagem de conhecimento através da fala, mas de que forma haveria esse aprendizado sem antes termos a certeza de que o trabalho em questão não seria bem mais complexo do que a oralidade pudesse supor? Nosso mundo não é tão rústico quanto aquele onde predominava o ensinamento por via oral, e a facilidade que encontramos hoje para tudo tem suas bases na escrita e na leitura, e isso é um fato. Todo método que envolve a oralidade é limitado porque não há acúmulo de conhecimento suficiente para a passagem de todos os ensinamentos para um aprendiz, e se no futuro chegarmos a esse ponto, imagino quantos sofistas e peripatéticos aparecerão caminhando pela Terra novamente. Ora, Einstein poderia formular sua teoria da relatividade apenas com base naquilo que os anciões haviam dito uns aos outros dos tempos de Newton até ele? Acredito que ciência jamais foi criada apenas com base na palestra e no dedinho de prosa entre colegas de bar; no entanto, é razoável a ideia de que ao menos tenha sido necessário um pedaço de papel e um lápis afiado para grandes descobertas… 

Escrever está muito além de perpetuar essa arte necessariamente humana para as futuras gerações. As imagens são tiradas aos trilhões todos os dias graças aos avanços tecnológicos jamais descreverão os sentimentos humanos com tamanha liberdade quanto a escrita. Quando se trata de perpetuar o olhar particular que temos do mundo, uma imagem não vale por mil palavras. Dedicamos o tempo todo a (des)escrever com perfeição sentimentos, desejos, necessidades, prazeres, angústias, medos e frustrações que uma imagem – nem mil delas – jamais conseguirá fazer nem agora e nem no futuro. Portanto, aquele que escreve sabe fazer com maestria o que um escultor nunca poderá esculpir num bloco de mármore, nem em mil blocos de mármore; todas as imagens que passam na cabeça de um leitor quando ele lê um livro nunca, jamais, poderão ser retratada numa imagem, eternizada numa escultura, ou reconstituída num filme. Não há limitações para a imaginação do homem e tudo o que ele fizer com as mãos não será nem reflexo da milésima parte daquilo que se passou em sua cabeça. Parece idealismo demais, mas não é. 

Continuamos a escrever porque necessitamos libertar a mente – deixá-la livre, leve e solta. Se conseguimos estimulá-la através da oralidade, da visão, da audição e do tato, é porque estamos seguindo o roteiro que a humanidade já segue há milhares de anos. Escrevemos para estimularmos nossa criatividade, para projetarmos um sentimento nas folhas de papel e fazermos com que outras pessoas consigam senti-lo. Nada pode ser mais belo do conseguir estimular a criatividade, a força motora das civilizações humanas. Quem pode erigir as escadas para a contemplação de tudo o que houve e há (e, possivelmente, haverá), só pode fazer isso se estimular a própria criatividade. 

Quem conseguir libertar-se das amarras da limitação de si próprio, ganhará em troca o mundo, e tudo o que há nele. Continuamos a escrever para ganharmos o mundo, para interpretá-lo e para nos erguermos sobre experiências e pensamentos intrínsecos à prática de escrever. Por isso continuamos a escrever… para sermos parte do mundo, e fazermos do mundo uma parte de nós. "

  


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