terça-feira, 14 de julho de 2015

História de pescador



Ele olhava para trás sempre que caminhava rumo ao cais, as redes arrastando pelo chão, para dar-­lhe um último sorriso esbranquiçado pelo mar, e isso fazia com que todo sacrifício feito por Helena valesse a pena. 

“Poderia ter se casado com um professor, algum homem culto e letrado, que dominasse as leis e os números. Me agradaria que se entregasse ao filho daquele rico padeiro, o Moreira, mas inventou de entregar o coração ao rude do pescador”, dizia sempre sua mãe em tom de desgosto quando perguntavam-­lhe pela filha, mas isso não fazia diferença. Amava Aquiles mais até do que a própria vida, e não se importa com que diziam sobre ele – se importava em estar sempre ao seu lado. 

Era um homem alto, de ombros largos, braços fortes e mãos grandes, e estava sempre a consolá-­la quando desatinava a chorar com saudades dos pais. Tinha grossos cabelos lisos que caíam-­lhe pela face, barbas negras que emoldurava seu branco sorriso, e Helena se apaixonava por ele a cada dia. Apaixonava-­se pela pele queimada pelo sol e pelo sal, pelas cicatrizes que o anzol fazia em seus braços e rosto, e estava sempre a beijá­-las, a amá-­las. 

Às vezes, os frutos do mar não traziam-­lhes renda suficiente para deleitarem-­se em manjares todos os dias. Aguentava fielmente os meses em que só se comia pão e legumes dentro de casa, quando ele tinha que recorrer a trabalhos temporários lá na cidade para trazer-­lhe um bom trigo pro pão. Não achava ruim. 

Estava feliz ali, naquela casa de madeira perto do porto onde os homens embarcavam e desembarcavam; perto da bodega onde ele comprava um vinho tino que ela tanto amava, quando voltava do mar com a rede quase estourando. Riam no jantar das histórias que contavam os homens que ele trazia para casa, tripulantes que estavam se hospedando na pequena cidade e que ele conhecia durante as pescarias. Dormiam aconchegados em um quarto onde a brisa marítima entrava nas madrugadas quentes. Corriam descalços na praia deserta um pouco mais adiante, onde não havia cais, nem pescados, nem mercadores. 

Amavam­-se imensamente, tão imenso quanto ele parecia perto dela, magrinha e pequena, indefesa e frágil. Amavam-se sempre que ele voltava de uma longa viagem, com olhares, afagos, mãos e almas. Amavam-­se, de uma forma que não seria possível com o filho do Moreira, que havia ido pra São Paulo estudar as Leis. Amavam­-se com pouco pão, em uma casinha que mais parecia uma cabana, em um lugar onde não haviam vestidos pomposos e luvas para as mãos, onde ela não amava para mostrar às amigas nem para parecer feliz e satisfeita, onde ela podia amar e ser ela mesma Helena, que amava para fazer Aquiles feliz.

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